CAPITÃO
Pediram
a menina que levasse água para os cavalos atrás da taberna.
Seguiram-na, eram homens brutos. Menina boba, inocente e frágil, mas
obediente e prestativa. Alguns diziam-na aluada. Só os três
animais asquerosos que a seguiram cheirando a vinho, suor e cavalos
prestaram atenção ao corpo de menina que virava mulher. Agarraram a
menina brincando com sua débil resistência. Tão frágil quanto os
farrapos que cobriam seu corpo, seus seios agora nus. Uma bofetada
ecoou no ar calando em suspenso a menina. Os três homens explodiram
em gargalhadas salivantes. A única testemunha era a Lua, muda, cega
e surda. Os homens babavam o rosto assustado da menina empapado de
sangue que lhe escorria do nariz quebrado. A um passo de tomar o
único penhor que seus trapos ainda escondiam ouviram perfeitamente
audível um sussurro próximo:
-
Deixem-na em paz, AGORA.
Uma
voz muito calma, clara e determinada, temperada com autoridade e
desprezo por aqueles ratos imundos. Era o capitão da guarda do rei,
um cavaleiro negro. Não era o mais forte, nem o mais rápido ou
ágil. Mais tinha muito das três virtudes somadas, o que o tornava
um perigosíssimo espadachim, um matador impiedoso.
Não
era muito tarde para pedir clemência, mas o cheiro da fêmea e do
sangue, mais o vinho barato atiçava os demônios dentro dos homens,
cujos os olhos felinos pareciam dizer, primeiro o sangue, depois a
carne virgem.
A
Lua vingativa emprestou um brilho fantasmagórico à espada do
capitão quando esta serpenteou para fora da bainha a tempo de
bloquear a estocada do primeiro atacante e abrir-lhe o ventre
espalhando suas tripas imundas pelo chão. Um grito lancinante de
dor encheu a noite de vermelho, e de ódio o coração dos dois
outros canalhas. O segundo correu para o capitão na posição do
falcão, espada vertical, cintilando sobre a cabeça, ao que foi
imitada pelo guerreiro que no momento derradeiro escorregou por
debaixo das pernas do cão, perfurando seu ventre tão profundamente
que a ponta da espada varou seu corpo transpassando-o. O último
homem de pé numa poça de sangue alheio, sentindo os últimos
vapores do vinho sumirem-se de sua mente, percebeu com tardeza a
situação em que estava. Morreria antes de correr, morreria antes de
lutar, morreria antes de gritar.
Má
sorte, má sorte trouxera aquela vadia magrela.
O
capitão andou lentamente em sua direção... espada a frente do
corpo olhos cravados. O infeliz cercado pelos gemidos de um e gritos
do outros, despedidas infelizes... só repetia baixinho com lábios
trêmulos e sem cor.. . - Má sorte, má sorte, má sorte…
E
a espada escorregou de sua mão como manteiga. Caiu de joelhos,
erguendo os olhos a tempo de ver o rodopio da espada que divorciou a
cabeça de seu corpo seboso e cheirando a medo.
O
capitão procurou o corpo menos ensopado de sangue e limpou sua
espada calmamente. Só então procurou no escuro a menina. Caminhou
para ela. Estranhamente mantinha a espada em punho. Abaixou, ela
recuou trêmula, toda urinada. O sangue cobria-lhe metade do rosto. O
nariz torto, grotescamente apontava para a direita...abraçou-a e um
vento frio soprou no escuro. A Lua se escondeu. Ela jura que por um
momento os olhos dele assumiram uma cor dourada profunda. E que ele
não beijava seu rosto para consolá-la, mas lambia o sangue ainda
quente em seu rostinho de menina. Num arroubo lançou-a de si e com
uma voz espectral, mil fantasmas falando de dentro dele, rosnou
baixinho
-
Afasta-te mulher, salva-te enquanto tu podes.
E
atirou-se na noite fria e escura. Como se a capa do vazio e da
escuridão possuíssem seu corpo. Ela viu-se sozinha, trêmula, suja,
seminua, e espancada... olhou ao redor, os corpos calados sem vida e
riu, riu desesperadamente, gargalhadas loucas e então chorou ate
desmaiar na escuridão.
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