quinta-feira, 20 de dezembro de 2018


CAPITÃO

Pediram a menina que levasse água para os cavalos atrás da taberna. Seguiram-na, eram homens brutos. Menina boba, inocente e frágil, mas obediente e prestativa. Alguns diziam-na aluada. Só os três animais asquerosos que a seguiram cheirando a vinho, suor e cavalos prestaram atenção ao corpo de menina que virava mulher. Agarraram a menina brincando com sua débil resistência. Tão frágil quanto os farrapos que cobriam seu corpo, seus seios agora nus. Uma bofetada ecoou no ar calando em suspenso a menina. Os três homens explodiram em gargalhadas salivantes. A única testemunha era a Lua, muda, cega e surda. Os homens babavam o rosto assustado da menina empapado de sangue que lhe escorria do nariz quebrado. A um passo de tomar o único penhor que seus trapos ainda escondiam ouviram perfeitamente audível um sussurro próximo:
- Deixem-na em paz, AGORA.
Uma voz muito calma, clara e determinada, temperada com autoridade e desprezo por aqueles ratos imundos. Era o capitão da guarda do rei, um cavaleiro negro. Não era o mais forte, nem o mais rápido ou ágil. Mais tinha muito das três virtudes somadas, o que o tornava um perigosíssimo espadachim, um matador impiedoso.
Não era muito tarde para pedir clemência, mas o cheiro da fêmea e do sangue, mais o vinho barato atiçava os demônios dentro dos homens, cujos os olhos felinos pareciam dizer, primeiro o sangue, depois a carne virgem.
A Lua vingativa emprestou um brilho fantasmagórico à espada do capitão quando esta serpenteou para fora da bainha a tempo de bloquear a estocada do primeiro atacante e abrir-lhe o ventre espalhando suas tripas imundas pelo chão. Um grito lancinante de dor encheu a noite de vermelho, e de ódio o coração dos dois outros canalhas. O segundo correu para o capitão na posição do falcão, espada vertical, cintilando sobre a cabeça, ao que foi imitada pelo guerreiro que no momento derradeiro escorregou por debaixo das pernas do cão, perfurando seu ventre tão profundamente que a ponta da espada varou seu corpo transpassando-o. O último homem de pé numa poça de sangue alheio, sentindo os últimos vapores do vinho sumirem-se de sua mente, percebeu com tardeza a situação em que estava. Morreria antes de correr, morreria antes de lutar, morreria antes de gritar.
Má sorte, má sorte trouxera aquela vadia magrela.
O capitão andou lentamente em sua direção... espada a frente do corpo olhos cravados. O infeliz cercado pelos gemidos de um e gritos do outros, despedidas infelizes... só repetia baixinho com lábios trêmulos e sem cor.. . - Má sorte, má sorte, má sorte…
E a espada escorregou de sua mão como manteiga. Caiu de joelhos, erguendo os olhos a tempo de ver o rodopio da espada que divorciou a cabeça de seu corpo seboso e cheirando a medo.
O capitão procurou o corpo menos ensopado de sangue e limpou sua espada calmamente. Só então procurou no escuro a menina. Caminhou para ela. Estranhamente mantinha a espada em punho. Abaixou, ela recuou trêmula, toda urinada. O sangue cobria-lhe metade do rosto. O nariz torto, grotescamente apontava para a direita...abraçou-a e um vento frio soprou no escuro. A Lua se escondeu. Ela jura que por um momento os olhos dele assumiram uma cor dourada profunda. E que ele não beijava seu rosto para consolá-la, mas lambia o sangue ainda quente em seu rostinho de menina. Num arroubo lançou-a de si e com uma voz espectral, mil fantasmas falando de dentro dele, rosnou baixinho
- Afasta-te mulher, salva-te enquanto tu podes.
E atirou-se na noite fria e escura. Como se a capa do vazio e da escuridão possuíssem seu corpo. Ela viu-se sozinha, trêmula, suja, seminua, e espancada... olhou ao redor, os corpos calados sem vida e riu, riu desesperadamente, gargalhadas loucas e então chorou ate desmaiar na escuridão.


domingo, 8 de abril de 2018


Morrer

Estava muito machucado, ferido, machucado mesmo.
Podia-se ver na expressão do seu rosto, nos gestos lentos, na respiração pesada e descompassada, nos passos curtos e trôpegos.
Mas os olhos cintilavam como as chamas do inferno e sua voz tinha aquela cor que só as vitórias muito, mais muito sofridas imprimiam.
Olhou para mim com desprezo e horror.
“Para você guardei algo especial. Muito especial”, disse salivando e estalando a língua.
Todos os outros jaziam mortos espalhados pelo chão.
“Uma coisa especial mesmo”.
“Vai ser o último”, disse ele revirando os olhos.
“Vai ser o último”, repetiu sorrindo.
“Vai ser o último a morrer”.
“Não importa o que faça, o quanto procure, o quanto deseje”.
“Vai ser o último a morrer”.
“Ninguém velará você. Ninguém chorará por você. Porque todos os que você ama estarão mortos”. “Será o último, para morrer um pouquinho de cada vez. Cada um que se for levará um pouquinho de você”.
“Até que não te sobre nada. Nada por dentro, nada por fora. Até que fique oco. Até que fique vazio”.
“Vai viver para ver todos morrerem, vai viver para ver o crepúsculo dos deuses”.
“Sim, vai ver tudo ao seu redor morrer. E não achará descanso. Não achará beleza. Não achará sabor”.
“E quando a própria morte encontrar você, nada poderá tirar de você, porque eu já terei tirado tudo de você. Morto-vivo, homem sem sombra, sem reflexo no espelho”.
Falava isso enquanto acariciava o cabo de minha adaga enterrada firmemente eu seu peito. Sentia dor, mas o êxtase de ter contaminado a minha alma era maior.
Ele voltaria para o Umbral, para o mundo dos mortos. Eu não tinha para onde ir, nem onde ficar. Nenhum fogo me aqueceria, nenhum vinho me encantaria. Ele se apoiava nas mobílias, nas paredes, respirava com dificuldade. Já podia ter-se entregue. Mas nada tiraria dele o prazer de ver minha alma esvair-se entre meus dedos. A adaga tinha sido enterrada fundo. Mas ele mordeu fundo também. Sabia que estávamos condenados. Ele na morte, eu na vida.
O que ele dizia era verdade.
Do canto de sua boca escorria um sangue espesso e escuro.
Escuro como minha alma estava agora.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Estavam todos reunidos lá. A praia era linda e o por do sol enchia o céu de nuances  dourados, vermelhas e violetas. Algumas estrelas mais brilhantes começavam a salpicar o firmamento.  O silêncio emprestava uma atmosfera sagrada ao lugar. E eles estavam lá. Vindos de todas as partes do mundo de todos os tempos, com suas roupas e modos característicos de cada época. Todos estavam lá. Ternos, jeans, sáris, bermudas, fardas.   Calados e reverentes. Olhos brilhando de excitação, alegria e orgulho. Uma ansiosa expectativa no ar. Então os três chegaram e a multidão os abraçou num murmúrio de boas vindas caloroso, fervoroso  e entusiasta. Os três se puseram na elevação de onde todos poderiam vê-los e ouvi-los. Ficaram ali em silêncio até que o primeiro deles apontou para a multidão Seu braço longo coberto por uma túnica branca e passeou pela multidão num longo arco. Os outros dois seguiram seu movimento, cada um apontando numa direção como a procura de alguém até que os três convergiram apontando para o mesmo indivíduo no meio daquela singular aglomeração. Era um afrodescendente. Tinha o porte mediano, usava óculos e um cabelo à moda militar. Estava à esquerda da grande massa que se estendia por toda a areia da praia. A principio não percebeu que era para ele que os três apontavam, ate que a multidão se abriu ao redor dele numa clareira, podia-se ouvir os  murmúrios e exclamações de espanto e contentamento. E ele ficou ali, no meio, atônito e perplexo.  Os três seres apontaram para ele e num piscar de olhos se fez um silêncio profundo. Até os ventos e as ondas  silenciaram. O ser que estava no meio do trio emitiu uma nota tão baixa e profunda que toda a natureza pareceu vibrar com ela. Em seguida os outros dois seres se juntaram a ele naquela única nota que pareceu fazer o Pão de Açúcar tremer e congelar o mar. E aquela única nota foi se abrindo em tons baixos e profundos. Como uma aquarela, desenhando notas e mais notas, aumentando de tom e intensidades, explodindo em cores. O próprio tempo pareceu congelar. Toda a multidão em êxtase bebia cada acorde, cada coma. Movendo-se lentamente como um só homem, embalados pelos sons celestiais. Corpos e mentes unidos pela musica das estrelas. Então o homem apontado na multidão começou a vibrar mais intensamente que seus irmãos, vibrar e flutuar no ar, lentamente se erguendo sobre a multidão, braços abertos, cabeça jogada para tras, seus lábios abertos balbuciando palavras ininteligíveis  o corpo em transe profundo, embriagado pelas notas que se sobrepunham em cascatas de sons inumanos, numa beleza que transcendia o tempo e o mundo. O homem se elevou sobre a multidão e começou a girar lentamente sobre seu próprio corpo e sobre um eixo imaginário de forma graciosa e harmônica. Então asas maravilhosas explodiram de suas costas, brancas e prateada. Asas abertas, lindas, coruscantes, a luz que elas refletiam se quebravam em milhões de pontos coloridos, deslumbrantemente brilhando em suas costas, abraçando seu corpo, faiscando. Ao mesmo tempo em que em espasmos de luz seu corpo foi sendo coberto por uma armadura prateada e carmim, botas, peitoral, capacete, perneira. O homem girava em êxtase total enquanto era revestido por aquela couraça magnifica e sobrenatural que se materializava sobre ele. Seu corpo continuava girando  e subia cada vez mais alto até que toda a praia desapareceu atrás dele e só as estrelas e a música encantada dos seres o acompanhavam. Girando,  por entre as estrelas, sentindo o calor profundo e a vibração uníssona, era impulsionado para frente através das dimensões físicas e sobrenaturais até que parou no meio do infinito e o véu se rasgou diante dele e ele viu a face do Deus Altíssimo. E Deus sorriu para ele. Durou um milésimo de segundos a maior de todas as honras, ver  a face do Altíssimo. Tudo pareceu sem começo nem fim, todos os propósitos convergindo para aquele momento, aquele olhar, aquele sorriso. Num segundo sempre girando começou a descer lentamente com o corpo queimando de prazer. Todos os seus sentidos inundados por aquela presença, cada um de suas células explodindo em luz, cores e calor. Todos os seus sentidos tomados, era como mergulhar num mar de luz se dissolver nele e lentamente voltar a se conformar. Vinha descendo lentamente quando a multidão na praia embevecida também explodiu em asas e armaduras, em espadas e lanças e num salto subiram ao encontro de seu agraciado irmão, nos céus. Girando ao redor dele entoando um hino de adoração ao Eterno, dançavam e adejavam em círculos, mergulhos e ondas, ondas de anjos embalados pela musica dos três seres celestiais. O brilho das armaduras e armas ofuscava as estrelas. O mar de asas enchia o ar de uma vibração mágica. Toda a multidão estava nos ares, enchendo os céus como um enxame de pássaros coloridos.
Um segundo, todos desapareceram no ar. O homem se viu sozinho na praia de joelhos, arfando embriagado, sorrindo e chorando. A música estava em cada membro, em cada célula de seu corpo, não conseguia repeti-la, não conseguia entoa-la, mas ainda podia ouvi-la dentro de si ecoando por seu espirito e coração. O homem se levantou e pôs-se a caminhar lentamente  até ao metro.
Desceu a rampa a tempo de encontrar-se com as últimas notas de um saxofone cego que tocava  jazz sentado num banquinho no canto da estação. Inclinou-se colocou uma nota de real no chapéu do velho homem.  Mas antes que pudesse empertigar-se o  homem agarrou sua mão e sorriu, um sorriso largo e profundo e disse, tateando o rosto do homem  “Gloria Deus.... Gloria Deus” numa voz rouca e cansada mais cheia de calor e misteriosa gratidão. O velho jazzista pois se a chorar. O homem lhe sorriu e disse.. “amém,  irmão”, de uma maneira tão amiga e sincera que o cego cai de joelhos chorando... “Há cegos que enxergam mais que mil olhos”.

Portas se fechando ....

domingo, 12 de julho de 2015

Deserto de Ácaba



Tinham começado a caminhada aquela semana. Apenas a dois dia atrás partiram do mercado de Sucre. O cheiro das azeitonas, ameixas, cebolas, temperos variados, misturados aos perfumes e sabores das gentes ainda pairavam sobre a caravana e suas lembranças. Os gritos dos vendedores e o suplicar dos pedintes, a alma do mercado, enchiam nossas almas de saudades e esperanças. Íamos beirando o Grande Deserto, o deserto de Ácaba. Não ousávamos atravessar o mar de dunas douradas e ululantes que era o centro do deserto. Nos movíamos beirando as montanhas íngremes e sinuosas. Gargantas profundas cujo o vento, a noite, emprestava seus gemidos espectrais. Lar de chacais, felinos ferozes, saqueadores e sabe-se lá que tipo de monstros. Mas eram as montanhas nuas e sombrias ou o terrível deserto.
Passávamos o dia calados, caminhando pachorrentamente no ritmo das mulas, camelos e cabras. Seguíamos em caravana. Uma longa fila multicolorida a cortar os limites de Ácaba. Esse caminho era ponteado de oásis, cidades fantasmas, ruínas e labirintos rochosos. Mas a noite, em volta das fogueiras, paisagens e homens mudavam. Os homens se tornavam falantes, cantavam, dançavam e contavam estórias. E os jardins dos céus floresciam de orquídeas brancas e brilhantes. Era a hora mágica. O cheiro dos assados enchia o ar. Cítaras, flautas, alaúdes desenterravam a alma dos homens. E o deserto se tornava um reino encantado. Foi numa dessas noite que Alli Ben Chacal, com olhos que reluziam as chamas da fogueira me chamou para perto. Eu tinha 15 anos e essa era a minha primeira jornada.
Sentei-me ao seu lado. O aroma do seu longo cachimbo se mistura aos cheiros da noite. Trazia um embrulho ao colo, enrolado numa manta espessa e escura. Seu turbante vermelho emprestava-lhe ares sobrenaturais quando refletiam o brilho do fogo. Chamou-me para sentar-me mais perto. O vento soprava frio e fazia as areias dançarem. Alguém começou a tocar uma cítara logo outros instrumentos a seguiram. Os olhos do velho guerreiro tuaregue estavam entregues a meditação. Sentado em volta da fogueira eu bebia estrelas.
- Ben, disse o chefe. Sua voz era profunda e baixa. Tenho algo para você.
Meu espírito de menino saltitou de alegria quando ele apontou com o olhar o embrulho em seu colo, um presente. Ele continuava olhando. Hora para dentro da fogueira, hora para dentro de mim. Suas grandes mãos desfizeram os nós e começaram a desembrulhar a manta. E ante os meus olhos, ali, cintilando em seu colo surgiu o iatagã mais lindo que eu já vira. A fogueira beijou a lâmina e ela respondeu faiscando vermelha. Fiquei de pé. Era uma cerimônia.
Fogo, vento, estrelas e o deserto testemunharam a passagem da lâmina fria as minhas mãos. Era pouco maior que meu antebraço, aço branco. Branco como o luar. Cabo entalhado com mil preces e na lâmina nomes mais antigos que a linhagem dos homens. O iatagã parecia pulsar em minhas mãos.
Ia dizer alguma coisa quando o velho se levantou e disse ter mais uma coisa.
Terminando de desembrulhar a manta, pôs-se de pé e ergueu uma espada brilhante. Tudo parou. O tempo, os homens, o deserto. Uma espada Várnia. Leve como a pluma, macia como a seda, mortal como o deserto. O velho parecia exitante em passá-la para mim. Todo o acampamento parecia hipnotizado por nossa fogueira.
- Você já tem 15 anos. É hora de por seu espírito em uma espada e uma espada em sua mão. É hora de ganhar um novo nome também, um nome do deserto, disse-me olhando-me com aqueles olhos amendoados e brilhantes. O negro de suas vestes se confundia com a noite e eu só vi a espada em suas mãos.
- Erga-se Asydhym, levante-se Turandor de Tamarata. E apontando a espada para o céu, bradou:
- Contemple a face daquele Único, diante de quem se porá de joelhos e a única espada a quem deve temer. Essas últimas palavras disse-as apontando para o deserto, cujas areias dançavam ao redor de nós.
O acampamento explodiu em gritos, palmas e músicas. Recebi a espada de pé e a pus no cinto ao lado do iatagã.
Chaitã me olhava com olhos travessos e sorria. A música foi baixando. Essa noite, disse ele, você não dormirá em minha tenda. É um homem, terá sua própria tenda agora, bem ao lado da minha, é claro. Foi então que senti o perfume, o tilintar dos guizos. Uma mulher. Alta como as palmeiras e esguia com elas. Quadris largos e seios fartos, envolta em sedas douradas e escarlates. O rosto coberto mal escondia os olhos amendoados a pele cor de pêssego, ela estendeu a mão e sorriu-me por entre o véu.
Alli Ben Chaitã olhou-me com orgulho e alisando sua longa barba grisalha disse para que todo o deserto ouvisse:
- A alma que porta uma espada da justiça deve conhecer o amor pelo qual os homens vivem e morrem.
A mulher se aproximou de mim suave como uma brisa, dançando e fazendo seus guizos tilintarem. Ela estendeu a mão e arrastou-me docemente, marcando seus passos ao som da música. O vento brincava com os grãos de areia e a noite não parecia ter fim para mim.
Eu tinha um iatagã, eu tinha uma espada, eu tinha um novo nome. E naquela noite um novo homem nasceu, forjado no fogo do deserto e nos seios da Lua.
Despertei com o mulá chamando para as orações matinais. A mulher não estava mais lá. Nem o menino. Nunca a tinha visto antes na caravana e nunca mais a veria. Aquela noite nunca mais deixaria minhas lembranças, nem meu corpo.
No lugar da mulher encontrei roupas negras dobradas. Uma bandeja com frutas, leite, vinho temperado com especiarias e água, um turbante igual ao de Chacal e seus cavaleiros e minhas armas.
Não vi o velho mestre até a marcha começar. Homens e mulheres inclinavam-se quando eu passava. Mas as novidades continuaram. Deixei o camelo em que comecei a viagem e o lugar entre as mulheres e crianças quase no fim da caravana por um enorme corcel negro e me juntei a meu mestre na dianteira da fila, junto a seus guerreiros. Respeitosamente me pus a seu lado esquerdo e deixando o direito para seu segundo em comando, como manda a tradição.
Quando saímos de Sucre, Alli prometera a meu pai levar um menino e trazer um comerciante. Mas aquele filho dos desertos tinha mais em sua mente do que eu e meu pai supúnhamos. Quantas mais mudanças estariam por vir?
Foi meu mestre quem se pôs a galopar mais rápido fazendo um sinal para que eu o seguisse e nos pondo a meio quilômetro da caravana. O sol mal tinha começado sua jornada no céu. Ele diminuiu a marcha, olhando para os céus procurando sinais, então fitou-me:
- Asydhym, a noite foi do seu agrado? Sua voz era suave e paternal. Devo ter corado, gaguejei, baixando os olhos e respondi que sim, ainda com a alma e o corpo aprisionado em sonhos e lembranças.
- Você agora é um homem, disse ele. Um de nós. Provou o mel. Agora terá que provar o sangue. Seu lugar é ao meu lado na cabeça da caravana. Para sua família terá sempre o seu nome de batismo. Mas para o povo dos desertos você é Asydhym, Turandor de Tamarata. Você fará todos respeitarem seu nome e depois sua espada. Sempre nessa ordem. E não esqueça disso. Sua palavra deve ser firme como uma palmeira, mas como ela, flexível. Você é como uma fogueira e o mundo como um deserto. Deixe que todos que se acheguem a você encontrem calor e abrigo.
E mais uma coisa, meu príncipe. Terá que matar. Seu corpo e alma não são mais virgens. Sua espada não o será também.
Tendo dito isso voltou seu cavalo e galopou de volta a caravana. Deixei-me ficar por mais um tempo e pensei:
Será tão cheio de prazer e êxtase perder a virgindade do aço como foi a da alma?
E voltei para a caravana acelerado.
Três dias tinham passado e eu ainda procurava ao cair da tarde um lugar para treinar com minhas espadas. Alli tinha prometido me ensinar a usá-las, mas eu esta ansioso por demais e não esperava pelas lições. Numa dessas tardes alguém veio dizer que Alli me esperava. Fui até meu mestre. Ele tinha uma expressão grave. E sombras nos olhos.. Manteve-se de costas para mim quase todo o tempo. Por fim disse:
- Asythym, siga o desfiladeiro até a garganta que fica ao sul da barraca de Balderor. Há uma coluna de lenhas cortadas lá. Tragá-a para mim. Falava de costas. Falava como se as palavras lhe pesassem na boca.
O mais estranho foi o que veio a seguir. Ainda sem virar-se para mim..disse:
- Asydhym... Leve suas armas.
Mas é claro, meu senhor, a lenha pode atacar-me, pensei eu. Mas preferi calar-me.
Inclinei-me e ia saindo. Sabia que aquilo era um trabalho para as mulheres e crianças...E a lenha já estava até cortada. Não era um trabalho para mim, não era um trabalho de um homem adulto, nem preocupações para o senhor da caravana.
Obedeci. Ia pelo caminho meditando em tudo aquilo.
Entrei no desfiladeiro ainda aborrecido com a missão tão insignificante que tinharecebido. Pensava, que adiantava as espadas, o cavalo, o nome de guerra se tudo o que eu fazia era catar lenha e ouvir estórias?!?
Os paredões de pedra de ambos os lados nada respondiam. Só me faziam buscar respostas no céu sobre minha cabeça onde as estrelas começavam a salpicar.. Entrei na clareira de pedra e vi a coluna de lenhas. Nem era tão alta. Batia em minha cintura, qualquer um dos moleques poderia com ela. Servicinho insignificante pensei.
Foi quando um rugido terrível rasgou o ar. Ecoou tão violento e repentino que cai por terra. Um leão. Um leão e estava perto. Muito perto. Como um raio compreendi a situação se ele entrasse na garganta antes que eu saísse estaria encurralado. E como um raio me atirei pelo corredor estreito. E outro rugido congelou-me o sangue. Ele estava ali. Já estava na garganta, encurralando-me. Eu ia morrer. Ia ser devorado. Ia ser despedaçado. O cheiro do meu próprio medo nauseou-me. E a fera emergiu lentamente a minha frente. Era descomunal. Uma fera má. Parou um instante e farejou o meu terror. Então rugiu tão alto que caí de joelhos. A fera caminhava lentamente, tentando cercar-me pelas costas dentro da clareira. Eu não conseguia gritar, não conseguia correr, não conseguia, não conseguia pensar. Meu coração batia contra o peito tão violentamente que eu mal podia respirar. A fera parecia avaliar meu valor como refeição ou brinquedo. Eu seria devorado. Lágrimas quentes corriam por meu rosto e um suor gelado por minhas costas. Lentamente minha mãos tremulas tomaram a espada. Não tinha chance, mas doeria menos se eu ao menos tentasse lutar. Saquei a espada. O leão rugiu como se gargalhasse de mim. Tentou rodear-me procurando o melhor ângulo para um salto..Tinha que pensar rápido..ela ia procurar meu pescoço ou a cabeça, se eu ficasse parado..Ou minhas pernas se eu corresse. Saltaria sobre mim de qualquer forma e me rasgaria ao meio. Comeria minhas entranhas antes de eu tentar reagir. Meu corpo tremia e doía terrivelmente. A garganta em chamas. Minhas costas pareciam de gelo e as pernas de chumbo. Me esforcei para movê-las, fazendo uma base. Ergui a espada acima da cabeça na posição do condor. Ergui a cabeça numa última prece. Foi quando vi os homens. Toda a borda da clareira de pedra esta cercada pelos guerreiros do deserto. Traziam tochas e estavam silenciosos como estatuas negras. Vieram para o meu funeral. Vieram comer os restos que a fera deixaria. Tentei gritar por socorro. Mas o grito estacou na garganta quando vi o turbante vermelho de Alli Ben Chacar a fitar-me entre os homens. Era uma armadilha. Eu caíra numa armadilha. Deixariam que eu morresse miseravelmente e dividiriam as mercadorias de meu pai. O leão e todos eles eram uma só fera, uma besta maligna. Vou morrer. Vou morrer miseravelmente. O silêncio era mortal e nem o vento penetrava naquela garganta. Os homens todos estavam de negro e conduziam archotes. As chamas davam ao leão uma aparência terrível. Alongavam suas sombras e faziam da fera um demônio de olhos flamejantes. Eu estava prestes a morrer, trucidado, dilacerado. Me mantive na posição do condor. Sem vento, sem som, sem movimento. O leão acelerou. Soltou mais um rugido terrível. Até os mortos acordaram. E partiu em minha direção. Como uma mola premida que se libera. Saltei para a dianteira com a espada sobre a cabeça gritando desesperadamente também... Três segundos, dois segundos para o choque e eu pensei ver o rosto de minha mãe falecida a sorrir para mim, me chamando para seu lado. Então o grande leão saltou sobre mim e passou por mim pelo lado direito e se chocou contra o solo rochoso. Tinha três flechas em seu dorso. Os homens na borda da clareira estavam todos armados de arcos e agora gritavam e sacudiam seus archotes no ar. Gritavam meu nome Asydhym, Asydhym, Asydhym de Tamarata.
Alli Bem Chaitã saltou para dentro da garganta em minha direção e e com passos largos se aproximou de mim. Olhou-me com olhos selvagens. E falou baixo rápido .
- Não chore. Eu te ordeno, não fraqueje, não desmaie. Corte a cabeça da fera. Corte agora. Termine com a agonia do animal. O leão ainda respirava e rosnava em agonia. Um golpe, Asydhym, um golpe e corte a sua cabeça. Eu não consegui entender nada, mas a urgência e autoridade daquela voz, o fogo naquele olhar fizeram minhas pernas pesadas como chumbo se moverem. Com cuidado acerquei-me da besta com cuidado. Seus olhos revirados pareciam mais assustadores. Então com toda a força de minha alma enterrei a espada no coração do leão e ele rugiu pela última vez me amaldiçoando. Os guerreiros explodiram em êxtase. Gritavam e pulavam violentamente, atirando suas tochas para dentro da garganta. Tambores começaram a tocar e um canto ergueu-se na noite fria. Quando tudo terminou, somente eu, a fera e meu mestre estávamos na garganta. O delicado tanger do vento, o cheiro do sangue fresco, o silêncio. Chaitã me observava em silêncio. Avaliando o estrago ou a glória que aquela estranha aventura produziram em mim.
Deu-me as costas e começou a caminhar em direção a saída. Só então consegui romper as garras do silêncio que me estrangulavam
- Eu falhei, não foi??. Eu tive medo e falhei, disse eu sem fitá-lo. Se seus guerreiros não tivessem morto o leão seria o meu sangue ali, agora. Falhei, fui covarde e falhei.
O velho voltou-se lentamente para mim e me olhou sorridente. Você venceu Asydhym, Turandor de Tamarata. Você venceu bravamente.
- Mas, mas vocês mataram o leão. Não fui eu. Eu morreria. Se não fossem as flechas… eu morreria.
- Cale-se menino tolo. Você não falhou coisa nenhuma. Você venceu.
Ante o meu olhar estupefato. Ele se aproximou de mim colocando a mão em meu ombro. E disse em meu ouvido.
- Minhas flechas mataram o leão, mas a fera que você deveria vencer hoje era aquela que estava dentro de você.
O teste não era o leão. O leão, sorriu ele, era a isca para trazer à tona o medo dentro de você, a fera que rasteja nas sombras do seu coração. O verdadeiro perigo. O monstro estava dentro de você. O leão, já estava condenado quando o atraímos para essa garganta de pedra. Você só não estava a salvo de você mesmo.
- Asydhym, da próxima vez não haverá flechas e você poderá estar sozinho. Mas seu coração estará sem medo.
Você venceu o desafio. Primeira lição.
- Vamos. Saia atrás de mim. Não pare para ninguém, não olhe nos olhos de ninguém, siga ate sua tenda sem parar, não desmaie, não mostre fraqueza, não chore. E sobretudo tome um banho e troque-se. Esta todo mijado.
Houve tarde e noite. A primeira lição.
Queria que ao invés de água quente,que de tempos em tempos, era trazida pela velha ama incumbida de cuidar-me, que me fosse trazida areia para me enterrar nela e nunca mais ter que encarar aquela gente. Nos dias anterior me sentira um herói para eles. Digno de admiração. Agora um menino assustado, que no seu primeiro desafio morrera de medo, precisando que alguém o salvasse e matasse seu leão. Sim, era o seu leão. Viera cobrar-lhe o sangue e era sua espada que deveria ter respondido a altura. Fora salvo não pela espada de seus ancestrais, mas por flechas anônimas. A velha ama entrou trazendo mais um balde de água fervente. Sorria-lhe com os poucos dentes que lhe restavam. Seu rosto tinha tantas marcas do tempo que parecia com os mapas do deserto, mas os olhos brilhavam matreiros e inquietos e as mãos ainda eram fortes para o trabalho. Jogou a água silenciosamente na banheira e ficou ali quieta no limite entre as sombras e a pouca luz que entrava naquela área da tenda. Parecia esperar mais alguma ordem. Mas seus olhos a traiam, tinha um brilho ansioso e um meio sorriso nos lábios.
- O que deseja, ama? Perguntei desviando o olhar dela.
A noite parecia ter mais assados queimando do que tendas. Mais músicas que homens, mas nada animava meu coração mortificado pela vergonha. Melhor seria ser devorado pelas mandíbulas do monstro do que corroído pela vergonha.
- Só queria dar-lhe meus parabéns, disse a velha num sussurro.
- Deveria agradecer aos arqueiros que me salvaram a vida, disse eu numa voz ríspida. Acho que merecem muito mais do que eu.
- Você ainda não entendeu. Vocês, jovens não entendem nada. Aqui não é a casa do seu pai. Nem esta dentro de seus muros, onde seu nobre nascimento facilita as coisas. Aqui é o deserto, disse ela num sorriso zombeteiros. Aqui moram homens de quem até os espíritos da noite tem medo. Homens duros como as rochas e maus como os ventos quentes. Você não entendeu nada, nadinha mesmo.
- Entendi sim, velha. Entendi tudo. Carrego duas espadas, duas espadas e não fui capaz de usá-las para me salvar.
- Filho, disse a velha ama, baixando os olhos lacrimosos. Você ainda não entendeu?!? O leão estava condenado a morte no momento em que entrou na garganta atrás do seu cheiro. E você destinado a vitória, desde o momento em que ergueu sua espada por sobre a cabeça e partiu em direção ao animal. Aqui é Ácaba, onde os corações são provados. A verdadeira lição não era matar a fera, mas vencer o medo. Quem saca uma espada por medo ou arrogância, não é digno da sua lâmina.
- Houve um tempo, menino tolo, quando eu era jovem e bonita, mas como pode ver isso foi a muito tempo atrás. Um tuaregue, amigo do nosso Sire Alli Ben Chacar veio pedir minha mão. Meu pai era o seu braço direito. Antes de meu pai responder e aceitar o dote, trancou-me em minha tenda e pediu a Chacar que o testasse. Nosso Sire aplicou a ele o mesmo teste que aplicou a você. Mas meu pretendente não passou no teste.
- Eu ouvia a estória de dentro da banheira, e nem me dava conta do quanto a água esfriara. Nem do quanto tínhamos voltado no tempo, nas asas da lembrança da velha ama. Meu pretendente sacou a espada, mas tremia tanto que esta caiu-lhe aos pés. Ele chorou e gritou, implorou que os homens o tirassem daquela cova de morte. E quanto mais a fera se aproximava, mas ele implorava, nem mesmo sendo capaz de apanhar do chão sua espada para se defender. Os homens do alto da garganta estavam silenciosos como estátuas de pedra e o felino gargalhava diante do pavor de sua vítima. Meu pretendente chorava e implorava, oferecia recompensas, o que tinha e o que não tinha. Os homens medindo-lhe a covardia foram retirando-se um a um da borda da garganta, até que três homens sobraram. Um deles era o nosso senhor. Ele saltou para dentro da armadilha. Como um raio pondo-se ao lado do meu amado, com sua cimitarra em riste brilhando contra a Lua. Mas ao invés do meu pretendente pegar sua espada do chão e partir junto com nosso mestre, ele se escondeu atrás dele, gritando como uma mulher em hora de parto. Escondendo-se atrás de nosso metre, Alli Bem Chacar, como uma sombra. O homem que jurara proteger com sua própria vida e honrar nosso mestre, chorava e tremia como uma criança . Para minha própria vergonha e humilhação, nosso sire fez sinal para que ninguém intervisse e como um raio saltou sobre o leão no mesmo instante que ele se jogava contra as presas. Alli passou pela fera. A pata do leão abrira-lhe o ombro, mas a sua espada tinha cortado a barriga da fera de uma ponta a outra. O sangue quente do leão banhava as areias douradas do deserto. Nosso mestre chegou até a fera, abaixou-se e gritou para todo o deserto ouvir:
- Eu sou Alli Ben Chacar, senhor do deserto de Maará. Diga isso aos seus ancestrais quando os encontrar na terra dos leões e desferiu um poderoso golpe final na garganta da fera. Levantou-se, apanhou a espada de meu pretendente do chão, caminhou até ele e entregou-a. Meu pretendente se pôs de pé agradecido.
- Você prometeu muitas coisas a quem te salvasse dessa fera. O que te sobrou então, perguntou ele com frieza, Pegue suas coisas e parta daqui agora. Posso abrigar um fraco sob minhas tendas, mas não um covarde entre minhas tropas e o despediu ali mesmo. O homem que queria levar-me como esposa partiu naquela mesma noite como uma sombra e foi engolido pela deserto. Nunca mais se ouviu falar dele. Dizem que a alma do leão o apanhou naquela mesma noite e o devorou. Eu digo que o manto negro da vergonha o encobriu para sempre. Que destino seria pior para um guerreiro, eu não sei.
- Por isso você esta aqui e serve a Alli até hoje? Nunca mais houve outro pretendente? Agora eram os olhos da velha ama que pareciam banheiras negras, frias e profundas.

- Nunca mais quis saber de homem. Aquele Tuaregue era um covarde, mas levou com ele meu coração, disse ela com os olhos cerrados. Ou foi o leão que se vingou de nós dois, acrescentou. Vistas suas roupas. Os homens ainda estão a contar sua estória em volta das fogueiras. As estrelas ainda estão sorrindo parra você.

domingo, 24 de maio de 2015


Ouro de Mina



Se todo mundo soubesse transformar pedras em ouro.
E por isso o ouro valesse pouco embora fosse belo.
Mas um grupo ambicioso começasse a fazer todo mundo esquecer que podiam fazer pedras virarem ouro.
E aos poucos, em verdade, eles conseguiram fazer isso.
Cada vez menos pessoas, ao passar do tempo acreditavam que podiam fazer as pedras se transformar em ouro.
Então o grupo que provocou o esquecimento começou a enriquecer e ficar cada vez mais poderoso. E quanto mais ficavam poderosos, menos gente lembrava que qualquer um podia fazer aquilo.
O ouro alcançou valores astronômicos, o grupo ficou cada vez mais rico poderoso.
E as pessoas comuns cada vez mais esquecidas de como era fácil transformar pedras em ouro.
Hoje em dia ninguém mais tem o dom, a não ser o grupo.

Você se lembra como voar sem asas?

sábado, 7 de fevereiro de 2015

JUSTIÇA




Esses dias algo profundo e esclarecedor aconteceu. Pedi a um jovem que testemunhasse contra uma injustiça.  Ele a presenciou,  ficou chocado, deu razão a vitima. Mas disse-me que teria que falar com seu pai. Deixou claro que havia a real possibilidade de diante da remota possibilidade de ser prejudicado, ou perder alguma vantagem futura, seu pai não o deixaria que testemunhar, ainda que a vitima fosse sua amiga e fosse realmente uma ação injusta contra ela.
Então pensei:  Se amanha esse jovem vier a presenciar um assassinato, roubo, estupro, uma ofensa, um agravo que seja,  ele não agirá pelo impulso da SOLIDARIEDADE, da JUSTIÇA, da RETIDÃO, ele pensará se primeiro não será prejudicado, se não perderá alguma coisa com isso. Se envolver-se não lhe trará dor de cabeça, transtorno ou desconforto,  então,  só assim, se disporá a ajudar.  Quando amanhã esse jovem virar a cara para o outro lado. O que esse pai vai dizer? Quando esse jovem se tornar conivente com o erro, com a injustiça do que esse pai poderá reclamar?  Quando esse jovem se tornar um omisso, egoísta, passivo, covarde, frio e calculista. Quando a mão dessa criança se somar a mão do assassino contra uma indefesa criatura humana. Quem poderá censurá-lo? . E quando no ápice da escala ele mesmo cometer a injustiça despido de qualquer sentimento de empatia, seu pai poderá reclamar?
A maioria é boa, a maioria é honesta a maioria é justa. Então Por que o mal prevalece?  Por que os poucos maus acossam os muitos, que são bons? Porque fingimos não ver. Porque resolvemos não intervir. Se não nos incomoda, se não nos afeta diretamente, preferimos ignorar. É no frio alheamento que a maldade sobrevive. É na fria e covarde indiferença que o mal se cria e prevalece.
Se formos justos, bons e solidários somente quando for fácil, quando não perdermos nada, quando for cômodo ser, que tipo de valores estaremos passando a nossos filhos?
Ser justo e solidário quando for fácil, quando não nos custar. Ser justo e solidário como esmola, como sobra. Os dois sentimentos que mais enobrecessem a alma humana viraram esmola e moeda de troca. Só me importando quando não tenho nada a perder. Onde esta o “chorar com o que chora”, “sofrer com o que sofre”? É por isso que alguns pervertidos de valores controlam uma sociedade de milhares de “bons” cidadãos.
Walter paulino

E não fizemos nada......
Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim.
E não fizemos nada...
Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão.
E não fizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não fizemos nada,
Já não podemos dizer nada.

 Eduardo Alves da Costa  ( verdadeiro autor) 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Morte e armas

O soldado só quer que a guerra acabe. Só quer voltar para casa, para a mulher , sua horta,  seus vizinhos.
O guerreiro, homem de guerras, quer a vitória, quer a força, quer o conflito, quer dominar, dormir na casa do inimigo, tomar seu lugar tomar sua vida.
Eu? Eu sou um suicida, depois de muitas guerras é o que sou.
Eu só quero morrer. Só quero uma morte que justifique tudo o que eu disse e não disse, o que fiz e não fiz.
Se me arrependo da vida, não quero me arrepender da morte. Uma morte sem volta, sem escape. Uma morte definitiva. Tão gloriosa e soberana, tão inquestionável, em sua atitude derradeira. Uma morte que arranque de mim toda as máscaras e exponha de uma vez, pelo menos uma única vez o verdadeiro eu.
Não quero morrer só, nem tentando salvar-me.
Quero apenas guardar os últimos rostos, as últimas vozes como pedrinhas brancas.
Não quero brigar com ela não quero sofrê-la, que apenas se apresente entre meus pares, me tome pela mão e eu siga....
Mas se eu estiver só.....Que ela sente ao meu lado e com paciência esperemos o último por do sol...
E eu partirei, sem saber se foi o mundo quem dormiu ou fui eu...

Os que morrem não têm nome.
Os que sobrevivem tem esperanças
Os que matam têm História.

O soldado é arrancado de seu lugar, para onde quer voltar...
O guerreiro quer ir cada vez mais longe, tomando, dominando
O suicida só quer ficar num lugar único, só seu, que não posso ser tirado

Que não precisa ser defendido.