sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Estavam todos reunidos lá. A praia era linda e o por do sol enchia o céu de nuances  dourados, vermelhas e violetas. Algumas estrelas mais brilhantes começavam a salpicar o firmamento.  O silêncio emprestava uma atmosfera sagrada ao lugar. E eles estavam lá. Vindos de todas as partes do mundo de todos os tempos, com suas roupas e modos característicos de cada época. Todos estavam lá. Ternos, jeans, sáris, bermudas, fardas.   Calados e reverentes. Olhos brilhando de excitação, alegria e orgulho. Uma ansiosa expectativa no ar. Então os três chegaram e a multidão os abraçou num murmúrio de boas vindas caloroso, fervoroso  e entusiasta. Os três se puseram na elevação de onde todos poderiam vê-los e ouvi-los. Ficaram ali em silêncio até que o primeiro deles apontou para a multidão Seu braço longo coberto por uma túnica branca e passeou pela multidão num longo arco. Os outros dois seguiram seu movimento, cada um apontando numa direção como a procura de alguém até que os três convergiram apontando para o mesmo indivíduo no meio daquela singular aglomeração. Era um afrodescendente. Tinha o porte mediano, usava óculos e um cabelo à moda militar. Estava à esquerda da grande massa que se estendia por toda a areia da praia. A principio não percebeu que era para ele que os três apontavam, ate que a multidão se abriu ao redor dele numa clareira, podia-se ouvir os  murmúrios e exclamações de espanto e contentamento. E ele ficou ali, no meio, atônito e perplexo.  Os três seres apontaram para ele e num piscar de olhos se fez um silêncio profundo. Até os ventos e as ondas  silenciaram. O ser que estava no meio do trio emitiu uma nota tão baixa e profunda que toda a natureza pareceu vibrar com ela. Em seguida os outros dois seres se juntaram a ele naquela única nota que pareceu fazer o Pão de Açúcar tremer e congelar o mar. E aquela única nota foi se abrindo em tons baixos e profundos. Como uma aquarela, desenhando notas e mais notas, aumentando de tom e intensidades, explodindo em cores. O próprio tempo pareceu congelar. Toda a multidão em êxtase bebia cada acorde, cada coma. Movendo-se lentamente como um só homem, embalados pelos sons celestiais. Corpos e mentes unidos pela musica das estrelas. Então o homem apontado na multidão começou a vibrar mais intensamente que seus irmãos, vibrar e flutuar no ar, lentamente se erguendo sobre a multidão, braços abertos, cabeça jogada para tras, seus lábios abertos balbuciando palavras ininteligíveis  o corpo em transe profundo, embriagado pelas notas que se sobrepunham em cascatas de sons inumanos, numa beleza que transcendia o tempo e o mundo. O homem se elevou sobre a multidão e começou a girar lentamente sobre seu próprio corpo e sobre um eixo imaginário de forma graciosa e harmônica. Então asas maravilhosas explodiram de suas costas, brancas e prateada. Asas abertas, lindas, coruscantes, a luz que elas refletiam se quebravam em milhões de pontos coloridos, deslumbrantemente brilhando em suas costas, abraçando seu corpo, faiscando. Ao mesmo tempo em que em espasmos de luz seu corpo foi sendo coberto por uma armadura prateada e carmim, botas, peitoral, capacete, perneira. O homem girava em êxtase total enquanto era revestido por aquela couraça magnifica e sobrenatural que se materializava sobre ele. Seu corpo continuava girando  e subia cada vez mais alto até que toda a praia desapareceu atrás dele e só as estrelas e a música encantada dos seres o acompanhavam. Girando,  por entre as estrelas, sentindo o calor profundo e a vibração uníssona, era impulsionado para frente através das dimensões físicas e sobrenaturais até que parou no meio do infinito e o véu se rasgou diante dele e ele viu a face do Deus Altíssimo. E Deus sorriu para ele. Durou um milésimo de segundos a maior de todas as honras, ver  a face do Altíssimo. Tudo pareceu sem começo nem fim, todos os propósitos convergindo para aquele momento, aquele olhar, aquele sorriso. Num segundo sempre girando começou a descer lentamente com o corpo queimando de prazer. Todos os seus sentidos inundados por aquela presença, cada um de suas células explodindo em luz, cores e calor. Todos os seus sentidos tomados, era como mergulhar num mar de luz se dissolver nele e lentamente voltar a se conformar. Vinha descendo lentamente quando a multidão na praia embevecida também explodiu em asas e armaduras, em espadas e lanças e num salto subiram ao encontro de seu agraciado irmão, nos céus. Girando ao redor dele entoando um hino de adoração ao Eterno, dançavam e adejavam em círculos, mergulhos e ondas, ondas de anjos embalados pela musica dos três seres celestiais. O brilho das armaduras e armas ofuscava as estrelas. O mar de asas enchia o ar de uma vibração mágica. Toda a multidão estava nos ares, enchendo os céus como um enxame de pássaros coloridos.
Um segundo, todos desapareceram no ar. O homem se viu sozinho na praia de joelhos, arfando embriagado, sorrindo e chorando. A música estava em cada membro, em cada célula de seu corpo, não conseguia repeti-la, não conseguia entoa-la, mas ainda podia ouvi-la dentro de si ecoando por seu espirito e coração. O homem se levantou e pôs-se a caminhar lentamente  até ao metro.
Desceu a rampa a tempo de encontrar-se com as últimas notas de um saxofone cego que tocava  jazz sentado num banquinho no canto da estação. Inclinou-se colocou uma nota de real no chapéu do velho homem.  Mas antes que pudesse empertigar-se o  homem agarrou sua mão e sorriu, um sorriso largo e profundo e disse, tateando o rosto do homem  “Gloria Deus.... Gloria Deus” numa voz rouca e cansada mais cheia de calor e misteriosa gratidão. O velho jazzista pois se a chorar. O homem lhe sorriu e disse.. “amém,  irmão”, de uma maneira tão amiga e sincera que o cego cai de joelhos chorando... “Há cegos que enxergam mais que mil olhos”.

Portas se fechando ....