quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Segunda Chance



SEGUNDA CHANCE


Aproximou-se de mim de forma solene, um tanto impaciente. Dando um passo à frente, estendendo a mão, perguntou-me:
-  Esta pronto para morrer?
Eu o olhei nos olhos, negros e profundos e minha boca se retorceu num vago movimento, um arremedo de riso e dei de ombros,
- Não estava pronto para viver e cheguei até aqui....
Ele que estava agora com a mão direita sobre a minha cabeça pareceu hesitar por um instante, recuou um passo ou dois e me olhou curioso.
Perguntou sem mover os lábios
- Sabe quem eu sou?
Agora o amargo sorriso doeu-me no canto da boca e nas entranhas em desalinho.
- Talvez a única coisa viva nesse campo, respondi, sem fita-lo
Considerou minha resposta por alguns momentos, baixou os olhos, recostou-se ao meu lado a despeito de sua túnica extremamente limpa, pigarreou e num sussurro de folhas outonais, perguntou
- Quer me pedir alguma coisa?
- E o que seria? Respondi, dando-me conta que desta vez não mexi os lábios para respondê-lo e que meus pensamentos iam ficando mais claros. O zumbido que os canhões provocaram não massacravam mais meus pobres tímpanos indefesos.
- Mas tempo talvez. Redarguiu  ele. No fundo agia como um trapaceiro arrependido.
Baixei os olhos achando graça no bico de minhas botas, sujas.
- Mais do mesmo? Que diferença faria? Mais de mim mesmos aumentaria o número dos mesmos erros que cometi, não acha?!?
- Vocês aprendem. Aprendem e mudam, como as estações. Falou com uma certa primavera na voz.
- Ou empacam como mulas velhas, respondi cortando seu raciocínio. Novamente me olhou surpreso.
Eu olhava o horizonte. Lembro que ao meio-dia fomos atacados, mas agora o céu estava violeta escuro com rajadas douradas esmaecidas. Fazia frio agora, um frio entorpecedor.
Ele pareceu lembrar de algum protocolo, mas antes que falasse, pedi que me cobrisse com uma manta que estava deitada aos seus pés. Ele apanhou-a delicadamente e ao estendê-la sobre mim, percebi que era o pavilhão de minha divisão, a Gloriosa Trovejante. Sob aquele estandarte treinei, sob aquele estandarte suei, corri, lutei, matei e....
E agora o entardecer frio cobria meus ossos ou o que ainda estava inteiro em mim.
Sem me encarar, naquele tom sussurrante:
- Sabe o que esta acontecendo com você?
- Estou morrendo, cara. Doí menos do que eu imaginava, mas ainda dói como o inferno.
- Quero te perguntar uma coisa, disse ele.
- Manda, não vou a lugar algum mesmo.
- Você realmente faria tudo de novo se lhe descem uma segunda chance? Continuaria fugindo do seu destino, rebelando-se contra si mesmo?  Escondendo-se em guerras que não são suas, para não ter que lutar suas próprias batalhas?
Então ele me tocou. “Hora de partir”  eu pensei.
Um imenso calor tomou-me o peito, estremeci, espasmos violentos assaltaram meu corpo e a última coisa de que me lembro foi de ouvir:
- Aqui, médico, um médico.. Aqui, depressa..... Um aqui..... VIVO !!!!

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