Era uma menina baixinha de
cabelos e olhos muito negros. Usava umas saias vermelhas, rodadas e tamanquinhos de madeira barulhentos.
Tinha sempre lenços nos cabelos e sempre, sempre, tagarela e estabanada. Suas pernas eram grossas e curtas, mas era com
elas que ganharia o mundo. Quando ficava excitada seus olhos brilhavam e suas bochechas
ficavam muito enrubescidas. Gargalhada fácil e sonora. Dizem que quando ria até
os mortos não a ignoravam. Na verdade, geralmente todo aquele vale ria com ela;
de suas meninices e travessuras. Tinha aquela magia encantadora de ser menina
por dentro e mocinha por fora. Razão de
seu desajeito, supunha eu. Era arisca no pensar e no falar e como atropelava as
palavras, os gestos e os pequenos animais que encontrasse pelo caminho. É que o
corpo não conseguia acompanhar-lhe a
alma nem a língua. Era cheia de enigmas e risadas, não necessariamente nessa
ordem. Uma vez me perguntou sobre um espelho que reflete outro espelho. O
reflexo de uma ilusão seria uma verdade? O reflexo de um reflexo se torna a
coisa refletida? Por caminhos estranhos
andavam aqueles pezinhos, estranhos e divertidos.
Um dia subimos o morro, céleres e
deitamos na relva para ver o sol se despedindo. Ela estendeu seu xale vermelho
no chão e deitamos. Ela me deu a mão e ficamos ali de barriga pro céu. Eu ouvia
o vento e sua respiração ofegante. Ela sonhava ao meu lado e eu ouvia sua
respiração entrecortada pelo esforço da subida. Sentia o calor de seu corpo e o
estremecer ritmado de seu peito. Foi quando ela olhou e sorriu para mim.
Devolvi o olhar e ela ficou séria. Ela viu em meus olhos que embora
estivéssemos de mãos dadas, irmão sol, irmã lua, eu já não estava ali. Eu caminha dentro do
coração dela, cuidadoso, passos delicados, sem mover uma graminha na passagem.
Nós éramos assim, amigos de roda, amigos de contos de fada. Éramos duas
crianças, eu o apanhador de pipas ela desenhava nas nuvens castelos distantes.
Um dia ela me disse por que
gostava das nuvens. Disse que elas não podiam ser controladas, que eram fiéis a
si mesmas que iam onde queriam ir, preguiçosamente sem relógio e sem pressa. O
tempo da chegada é quando chegam, que nem as primaveras. E formam as formas que
querem. São senhoras de si. São suas irmãs.
Um dia na vila dei de encontro
com ela. Primeiro seus tamancos me encontraram. Quando me viu, saiu correndo ao
meu encontro, braços estendidos, rápida como uma flecha e se jogou de bocão
aberto contra meu algodão-doce que em vão tentei defender corajosamente. Num
segundo seu rostinho lindo se afogou naquela nuvem de açúcar de onde emergiu
rindo muito. Passando a língua por toda a boca, com algodão-doce até os cabelos
gargalhando como uma louca. Ri com ela. Rimos os dois. E ela continuou a atacar
sem piedade meu doce com grandes bocadas vermelhas, com aquele sorriso meigo e
gargalhadas estridentes. Que fortalezas poderiam resistir? O algodão-doce foi o
primeiro a ceder, depois eu, depois todos os passantes que viram a cena. Agora
de olhos fechados, sobre o morro, ela completava o quadro. As nuvens eram
leves, preguiçosas, senhoras de si e doces, muito doces. E eu fiquei ali,
encantado entre suspiros e silêncios. Algodão-doce.
Um comentário:
Lindo!!!!!!!!!Esse foi o qual eu mais gosteiiiiii
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