Sonho.
Vinham
de longe voltando da feira. E por todo o caminho, o peregrino, que era seu
hóspede na estalagem, fazia truques de mágica que encantavam mãe e filho. E
entre um encanto e outro, contava estórias, incríveis e fantásticas estórias de
mundos, reinos, seres e entes magníficos.
O
suave rolar da carroça e o sol se pondo, emprestavam ao trio a impressão de
estar fora do mundo, fora do tempo. Fossem as estórias, as mágicas ou a
presença enigmática do peregrino. Tudo conspirava contra o lugar-comum.
Quando
as primeiras rosas começaram a desabrochar no céu e o menino já cansado deixou-se
domar pelo sono. Sua mãe interrompeu o silencio que pairava entre eles.
-Mostre
ao menino, disse ela mansamente. Mostre ao menino como se faz.
-
Mostre como os truques são feitos. Ele não ficará em paz enquanto não souber
como se faz, disse ela sem encarar o estranho.
O
homem inclinou a cabeça e pareceu meditar por um segundo ou dois. Entre eles só
a fumaça azulada de seu longo cachimbo e o murmúrio das rodas cantando para um
céu estrelado.
-
Não, respondeu o peregrino num longo sussurro. E naquela sua voz suave,mas
muito penetrante falou:
-
Sabe o que mantém a magia viva? Não é quem faz a magia.É quem acredita nela. O
poder não esta em quem faz, mas em quem acredita. Eu sei os encantos, eu sei os
embustes. Se eu contar não haverá mais magia nem mágica, pelo menos para ele.
Para
ele o mundo será prático, cartesiano, frio e previsível. As rodas batendo
contra o chão da estrada marcavam um compasso entorpecedor, enquanto a voz do
homem quase hipnótica dançava com o vento em seus olhos fascinados. Deixe-o
sonhar. Deixe-o livre. Deixe-o acreditar no inesperado, no surpreendente no
improvável maravilhoso.
- Mulher,
deixe-o acreditar no impossível e ele fará coisas impossíveis.
As
cigarras pareciam concordar com o peregrino e as estrelas faziam eco às suas
palavras.
-
Não tire as asas da alma dele, continuou sem tirar os olhos da estrada, fosse qual fosse a estrada que ele seguia.
Não
tire a fantasia dos seus sonhos, falou com voz profunda e embargada.
Não
o torne previsível e óbvio.
Deixe-o
escalar a montanha do fantástico e contemplar possibilidades infinitas. Sua voz
agora tomava toda a estrada e subia até as estrelas. O Universo girava em torno
daquele homem que com essas palavras ampliara todos os limites.
Naquela
noite, Eva, mais uma vez pois seu menino
na cama. E quando se inclinou para dar ao anjinho seu beijo protetor, o menino
sonolento perguntou sobre o mago-peregrino, senhor dos mistérios e fascínios
- Onde
estava.
A
mãe respondeu num sussurro ao pé do seu ouvido numa voz igual a do vento que
soava lá fora:
-
Sumiu bem diante dos meus olhos, numa nuvem dourada e brilhante, lá na curva da
estrada, agorinha mesmo.
E
o menino com a alma entre dois mundos, de olhos semicerrados sorriu e disse....
-
Eu sabia, eu sabia. E dormiu escalando estrelas.
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