quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Sonho ( Prosa- 03 )



Sonho.

Vinham de longe voltando da feira. E por todo o caminho, o peregrino, que era seu hóspede na estalagem, fazia truques de mágica que encantavam mãe e filho. E entre um encanto e outro, contava estórias, incríveis e fantásticas estórias de mundos, reinos, seres e entes magníficos.
O suave rolar da carroça e o sol se pondo, emprestavam ao trio a impressão de estar fora do mundo, fora do tempo. Fossem as estórias, as mágicas ou a presença enigmática do peregrino. Tudo conspirava contra o lugar-comum.
Quando as primeiras rosas começaram a desabrochar no céu e o menino já cansado deixou-se domar pelo sono. Sua mãe interrompeu o silencio que pairava entre eles.
-Mostre ao menino, disse ela mansamente. Mostre ao menino como se faz.
- Mostre como os truques são feitos. Ele não ficará em paz enquanto não souber como se faz, disse ela sem encarar o estranho.
O homem inclinou a cabeça e pareceu meditar por um segundo ou dois. Entre eles só a fumaça azulada de seu longo cachimbo e o murmúrio das rodas cantando para um céu estrelado.
- Não, respondeu o peregrino num longo sussurro. E naquela sua voz suave,mas muito penetrante falou:
- Sabe o que mantém a magia viva? Não é quem faz a magia.É quem acredita nela. O poder não esta em quem faz, mas em quem acredita. Eu sei os encantos, eu sei os embustes. Se eu contar não haverá mais magia nem mágica, pelo menos para ele.
Para ele o mundo será prático, cartesiano, frio e previsível. As rodas batendo contra o chão da estrada marcavam um compasso entorpecedor, enquanto a voz do homem quase hipnótica dançava com o vento em seus olhos fascinados. Deixe-o sonhar. Deixe-o livre. Deixe-o acreditar no inesperado, no surpreendente no improvável maravilhoso.
- Mulher, deixe-o acreditar no impossível e ele fará coisas impossíveis.
As cigarras pareciam concordar com o peregrino e as estrelas faziam eco às suas palavras.
- Não tire as asas da alma dele, continuou sem tirar os olhos da estrada,  fosse qual fosse a estrada que ele seguia.
Não tire a fantasia dos seus sonhos, falou com voz profunda e embargada.
Não o torne previsível e óbvio.
Deixe-o escalar a montanha do fantástico e contemplar possibilidades infinitas. Sua voz agora tomava toda a estrada e subia até as estrelas. O Universo girava em torno daquele homem que com essas palavras ampliara todos os limites.
Naquela noite, Eva,  mais uma vez pois seu menino na cama. E quando se inclinou para dar ao anjinho seu beijo protetor, o menino sonolento perguntou sobre o mago-peregrino, senhor dos mistérios e fascínios
- Onde estava.
A mãe respondeu num sussurro ao pé do seu ouvido numa voz igual a do vento que soava lá fora:
- Sumiu bem diante dos meus olhos, numa nuvem dourada e brilhante, lá na curva da estrada, agorinha mesmo.
E o menino com a alma entre dois mundos, de olhos semicerrados sorriu e disse....
- Eu sabia, eu sabia. E dormiu escalando estrelas.

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