quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Homem-Espelho ( Prosa - 02)



Deserto do Líbano, Nisã. 15° Lua do ano do Califa Mujahadhym.




À beira do meu caminho havia um homem-espelho.
De pronto não o vi porque face não tinha.
E todo o seu ser era um espelho do caminho que havia.
Ao ver-me ficou de pé e convidou-me a achegar.
“Não se para com estranhos no Caminho de Vela”
Mas quanto mais me aproximava, mais nele eu via traços
E cheiros, cores e formas, risos a muito esquecidos, sustos
E lágrimas contidas. Vi que me espelhava o íntimo e como
 As nuvens do céu davam forma ao meu oculto.
Senti-me encantado, apaixonei-me. Me descobri abraçando
Velhas lembranças, acariciando sonhos e bebendo risos.
Consolando a mim mesmo, sentindo a dor morna de feridas passadas.
Ruborizei-me ao desejar-me, ao querer provar-me, sentir-me fora de mim.
Conhecer-me fora de mim, em outra pele, outro corpo, outros tempos.
Mas aquele que antes dava nome aos meus desertos, rios, árvores, aquele que
Conhecia cada uma das minhas perdas e ganhos, quanto mais funda me espelhava,
Mas estranho me parecia. Até que na face do espelho contemplei um rosto que não
Era o meu. Tão antigo, tão estranho, tão envolto em mistérios: O eu mais profundo:
Um desconhecido a compartilhar-me as fraquezas, desejos, temores, indo cada vez mais
Fundo, arrancando, demolindo, trazendo à tona tudo do bom e do mau. Um terror, um
Temor antigo antigo tomou-me.
Estremeci e magia se desfez.
Novamente diante de mim o homem-espelho me sorria. Afastei-me perplexo.
E aprendi que encontramos no outro, a quem nos damos, a nós mesmos.
Mas o que encontramos é por vezes tão estranho que duvidamos que sejamos nós.
É assim que vivemos.
É assim que amamos.
Como num espelho.

Você não pode moldar o vento.
Se aprisioná-lo ele perde o “ser” e transforma-se.
Você não pode moldar as nuvens por muito tempo,
Porque teimosas rebelar-se-ão.
Como então segurar o tempo, agarrar o vento, segurar na boca um beijo?
Como manter fresco nos olhos o fogo imaculado da paixão...?
De correr atrás do vento, de segurar na mão o tempo, de dar ser a uma nuvem?
De se manter vivo num beijo....   

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