quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Lavadeira ( Conto - 04)



LAVADEIRA

O sol se punha sobre os morros solitários.
Tingindo a tarde de tons dourados.
Luz que conspirava com as escuras marcas que o tempo deixara em seu rosto.
Olhou o céu procurando sinais misteriosos que só ela entendia.
Talvez pedindo permissão para começar o longo caminho de volta.
Ia a passos vagos.
Como se fosse o caminho que a levasse.
O peso do corpo mais o da trouxa  magicamente não deixavam rastros na estrada poeirenta e deserta.
 Seu corpo de nada, nada pesava, nada dizia, nada acrescia ao entardecer.
Uma sombra.
Ninguém jamais saberia que passou por ali a velha lavandeira.
Ninguém jamais decifraria as marcas que o tempo deixara em sua face engelhada.
O tempo lavou o brilho dos olhos, lavou os sonhos, lavou a alma.
O tempo lavou as doces lembranças, deixando apenas as rugas, os frisos e o cheiro de  potassa.
Olhos baços gastos pela vida contrastavam a despedida da manha brilhante e  violeta.
Difícil dizer quem mais preguiçosa buscava seu destino.
Já seria noite quando chegasse à aldeia.
Sempre tarde, sempre noite, sempre frio.
Sempre o cheiro de sabão barato, sempre o murmúrio do rio, qual lembranças que não se calam nunca.
Olhou  para trás, mas nada viu.
Ao norte a prima-estrela veio velar seus passos calados.
Chegaria tarde.
Tarde pra quê?
Tarde pra quem?
Tivera marido, a guerra levou.
Tivera filhos.
Tivera-os, todos juntos.
Filhos da precisão, filhos da fome, filhos da febre.
Filhos da solidão.
Que um dia beberam de seus seios misândrios.
Taboas velhas a receberam, rangentes.
Já não assombravam mais. Vazio. Escuro. Só.










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