SEGUNDA CHANCE
Aproximou-se
de mim de forma solene, um tanto impaciente. Dando um passo à frente,
estendendo a mão, perguntou-me:
- Esta pronto para morrer? Era a voz dura de
muitos invernos.
Eu
o olhei nos olhos. Negros e profundos e minha boca se retorceu num vago
movimento, um arremedo de riso, dei de
ombros,
-
Não estava pronto para viver e cheguei até aqui....
Ele
que estava agora com a mão direita sobre a minha cabeça pareceu hesitar por um
instante, recuou um passo ou dois e me olhou curioso.
Perguntou
sem mover os lábios
-
Sabe quem eu sou?
Agora
o amargo sorriso doeu-me no canto da boca e nas entranhas em desalinho.
-
Talvez a única coisa viva nesse campo, respondi, sem fitá-lo
Considerou
minha resposta por alguns momentos, baixou os olhos, recostou-se ao meu lado a
despeito de sua túnica extremamente limpa, pigarreou e num sussurro de folhas
outonais, perguntou
-
Quer me pedir alguma coisa?
-
E o que seria? Respondi, dando-me conta que desta vez não mexi os lábios
para respondê-lo e que meus pensamentos
iam ficando mais claros.
-
Mas tempo talvez. Redarguiu ele. No
fundo agia como um trapaceiro arrependido.
Baixei
os olhos achando graça no bico de minhas botas, sujas.
-
Mais do mesmo? Que diferença faria? Mais de mim mesmo, aumentaria o número dos mesmos erros que cometi, não acha?!?
-
Vocês aprendem, aprendem e mudam, como as estações, falou com uma certa primavera na voz.
-
Ou empacam como mulas velhas, respondi cortando seu raciocínio. Novamente me
olhou surpreso.
Eu
olhava o horizonte. Lembro que ao meio-dia fomos atacados, mas agora o céu
estava violeta escuro com rajadas douradas esmaecidas. Fazia frio agora, um
frio entorpecedor.
Ele
pareceu lembrar-se de algum protocolo, mas antes que falasse, pedi que me
cobrisse com uma manta que estava
deitada aos meus pés. Ele apanhou-a delicadamente e ao estendê-la sobre mim,
percebi que era o pavilhão de minha divisão,
a Gloriosa Trovejante. Sob aquele
estandarte treinei, sob aquele estandarte suei, corri, lutei, matei e....
E
agora o entardecer frio cobria meus ossos ou o que ainda estava inteiro em mim.
Sem
me encarar, naquele tom sussurrante:
-
Sabe o que esta acontecendo com você?
-
Estou morrendo, amigo. Doí menos do que
eu imaginava, mas ainda doí como o
inferno.
-
Quero te perguntar uma coisa, disse ele.
-
Manda, não vou a lugar algum mesmo.
-
Você realmente faria tudo de novo se lhe descem uma segunda chance? Continuaria
fugindo do seu destino, rebelando-se
contra si mesmo? Escondendo-se em
guerras que não são suas, para não ter que lutar suas próprias batalhas?
Então
ele me tocou. “Hora de partir” eu
pensei.
Um
imenso calor tomou-me o peito, estremeci, espasmos violentos assaltaram meu
corpo e a última coisa de que me lembro foi
ouvir:
-
Aqui, médico, um médico.. Aqui, depressa..... Um aqui..... VIVO.
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