quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Segunda Chance ( Conto - 03)



SEGUNDA CHANCE


Aproximou-se de mim de forma solene, um tanto impaciente. Dando um passo à frente, estendendo a mão, perguntou-me:
-  Esta pronto para morrer? Era a voz dura de muitos invernos.
Eu o olhei nos olhos. Negros e profundos e minha boca se retorceu num vago movimento, um arremedo de riso,  dei de ombros,
- Não estava pronto para viver e cheguei até aqui....
Ele que estava agora com a mão direita sobre a minha cabeça pareceu hesitar por um instante, recuou um passo ou dois e me olhou curioso.
Perguntou sem mover os lábios
- Sabe quem eu sou?
Agora o amargo sorriso doeu-me no canto da boca e nas entranhas em desalinho.
- Talvez a única coisa viva nesse campo, respondi, sem fitá-lo
Considerou minha resposta por alguns momentos, baixou os olhos, recostou-se ao meu lado a despeito de sua túnica extremamente limpa, pigarreou e num sussurro de folhas outonais, perguntou
- Quer me pedir alguma coisa?
- E o que seria? Respondi, dando-me conta que desta vez não mexi os lábios para   respondê-lo e que meus pensamentos iam ficando mais claros.
- Mas tempo talvez. Redarguiu   ele. No fundo agia como um trapaceiro arrependido.
Baixei os olhos achando graça no bico de minhas botas, sujas.
- Mais do mesmo? Que diferença faria? Mais de mim mesmo,  aumentaria o número dos mesmos  erros que cometi, não acha?!?
- Vocês aprendem, aprendem e mudam, como as estações, falou com  uma certa primavera na voz.
- Ou empacam como mulas velhas, respondi cortando seu raciocínio. Novamente me olhou surpreso.
Eu olhava o horizonte. Lembro que ao meio-dia fomos atacados, mas agora o céu estava violeta escuro com rajadas douradas esmaecidas. Fazia frio agora, um frio entorpecedor.
Ele pareceu lembrar-se de algum protocolo, mas antes que falasse, pedi que me cobrisse com uma  manta que estava deitada aos meus pés. Ele apanhou-a delicadamente e ao estendê-la sobre mim, percebi que era o pavilhão de minha divisão,  a Gloriosa Trovejante.  Sob aquele estandarte treinei, sob aquele estandarte suei, corri, lutei, matei e....
E agora o entardecer frio cobria meus ossos ou o que ainda estava inteiro em mim.
Sem me encarar, naquele tom sussurrante:
- Sabe o que esta acontecendo com você?
- Estou morrendo, amigo.  Doí menos do que eu imaginava, mas ainda  doí como o inferno.
- Quero te perguntar uma coisa, disse ele.
- Manda, não vou a lugar algum mesmo.
- Você realmente faria tudo de novo se lhe descem uma segunda chance? Continuaria fugindo do  seu destino, rebelando-se contra si mesmo?  Escondendo-se em guerras que não são suas, para não ter que lutar suas próprias batalhas?
Então ele me tocou. “Hora de partir”   eu pensei.
Um imenso calor tomou-me o peito, estremeci, espasmos violentos assaltaram meu corpo e a última coisa de que me lembro foi  ouvir:
- Aqui, médico, um médico.. Aqui, depressa..... Um aqui.....  VIVO.


Nenhum comentário: